O caminho para o Journeyman Smith (JS)
Teste de performance
Em 2012, quando comecei a fazer minhas facas, me associei à American Bladesmith Society, a maior associação norte americana de cutelaria. Em 2016 completa-se o prazo mínimo de associação a esta entidade para se prestar a um exame para o título de Journeyman Smith, ou como é chamado no meio, JS.
Esse título é conferido pela instituição para cuteleiros associados por pelo menos 3 anos completos na data do teste em Atlanta (2 se você fizer um curso de iniciante oficial da ABS) e passam com sucesso por 2 etapas. A primeira etapa é um teste de performance da faca. O cuteleiro deve fazer uma faca para esse teste e essa faca será “destruída”, portanto não há necessidade de acabamentos ou materiais nobres. O tamanho máximo da faca: 10 polegadas de lamina, 2 polegadas de largura e 15 polegadas de comprimento total. A realização desse teste precisa feita na presença de pelo menos um MasterSmith, que é o título máximo dessa associação. Após início do teste o fio da faca não pode ser retocado ou afiado de nenhuma maneira.
O teste de performance consiste em 3 etapas:
1- Corte de uma corda de sisal de 1 polegada (2,5cm) de diâmetro. A corda fica pendurada, com a ponta livre, sem nada tensionando ou esticando essa ponta. Com um só golpe o candidato deve seccionar totalmente a corda em 2 pedaços. Para isso a faca precisa ter a geometria de fio adequada, bastante afiada, para que seja possível cortar a corda inteira. Caso a afiação não esteja bem feita ou a geometria do fio esteja muito robusta, a corta não será partida totalmente.
2 – Corte de no mínimo 2 caibros de madeira, de 10x15cm, com golpes na madeira, como um facão. Nessa parte testamos 2 coisas: se a geometria do fio não está fina demais (uma geometria muito fina, passaria na etapa da corda, mas teria problema na hora de cortar a madeira) e se o tratamento térmico foi feito de maneira adequada. O resultado desejado é que os caibros sejam cortados e o fio da faca permaneça intacto, sem nenhum lascado, amassado, etc. Após o corte da madeira, o Mastersmith confere o fio da faca para ver se não aconteceu nenhum tipo de problema, e o cuteleiro testado demonstra que a faca continua depilando (cortando os pelos do braço por exemplo).
Se o tratamento térmico (normalização, têmpera e revenimento) não for realizado de maneira correta, com o stress sofrido com os golpes na madeira, o fio poderá lascar ou quebrar (no caso de uma dureza muito alta) ou amassar e/ou perder a afiação (no caso e uma dureza muito baixa).
3- A última etapa consiste em dobrar a lâmina: Prende-se a faca numa morsa, pela ponta da lâmina e então dobra-se a faca de maneira que a curva da lamina forme um angulo de 90 graus. O resultado desejado é que a lâmina não quebre ou apresente uma trinca de até 1/3 da largura da faca. Se houver uma trinca maior do que 1/3 da largura ou a faca quebrar totalmente, o cuteleiro estará desqualificado. O que muita gente imagina é que a faca tem que voltar reta depois de ser dobrada, mas nas fotos pode-se perceber que ela entorta e fica torta mesmo. Inclusive uma das regras é que do jeito que a faca saiu do teste ela seja levada para a segunda etapa nos Estados Unidos. O objetivo dessa etapa é garantir que a dureza da faca não esteja muito alta, o que diminui a resistência da faca. Para se ter uma dureza no fio e ainda uma faca resistente, é utilizada uma técnica de têmpera seletiva, em deixa-se com alta dureza somente a região do fio (entre 1/3 e 1/2 da lamina) enquanto o dorso permanece “macio” para resistir aos impactos e torções que a lâmina pode vir a sofrer.
No dia 26 de novembro de 2015, realizei o meu teste de performance na oficina do consagrado cuteleiro brasileiro, Rodrigo Sfreddo, único MasterSmith da América Latina, um artista com altíssima qualidade, uma grande disposição em ensinar e um grande amigo. No dia do teste, mostrei a faca para ele e perguntei: “E aí? Acha que está boa pra passar?”, a resposta dele foi um: “Não posso dizer”, após ser indagado por mim do motivo pelo qual não poderia me dizer ele respondeu: “Você pode perguntar ao professor sempre, menos no dia da prova.” Aceitei a resposta com grande admiração, afinal de contas nos dias de hoje ética não é algo tão fácil de se encontrar. E foi assim, colocando sua “cara de Master” que ele conduziu meu teste, com grande profissionalismo e seriedade.
Felizmente tudo correu dentro do planejado: cortei 4 caibros de madeira (e o limite foi o meu cansaço, pois a faca continuava depilando!), 3 cordas, e a dobra ocorreu sem nenhuma trinca ou qualquer problema. Resultado: aprovado nessa fase. Agora começam os preparativos para a segunda etapa, que relatarei num próximo artigo.
Por último, mas não menos importante, gostaria de registrar aqui o meu sincero agradecimento ao Rodrigo Sfreddo que me recebeu em sua oficina, à Glenda Hermann, esposa do Rodrigo, que habilmente fotografou o meu teste e ao amigo Daniel Jobim, que gentilmente me acolheu em sua casa e filmou o teste para mim.